No Brasil, o salto foi ainda maior, de 48 para os atuais 75,5 anos.
A conclusão natural é de que tanto os avanços da medicina moderna quanto as iniciativas na área de saúde pública nos ajudaram a viver mais do que nunca – tanto que talvez não tenhamos como prolongar nossa vida muito mais do que já o fizemos.
Em setembro de 2018, o governo britânico confirmou que, pelo menos no Reino Unido, a expectativa de vida parou de aumentar. E esses ganhos também estão diminuindo em todo o mundo.
A crença de que nossa espécie pode ter atingido o ápice da longevidade também é reforçada por alguns mitos sobre nossos ancestrais: gregos antigos ou romanos ficariam estupefatos ao ver alguém com mais de 50 ou 60 anos, por exemplo.
Na verdade, embora os avanços na medicina tenham melhorado muitos aspectos na área da saúde, a suposição de que o tempo de vida humano aumentou significativamente ao longo de séculos ou milênios é equivocada.
A expectativa de vida não aumentou tanto porque estamos vivendo muito mais tempo do que costumávamos como espécie. Aumentou porque muitos mais de nós vivem mais.
“Há uma diferença básica entre expectativa de vida e tempo de vida”, diz Walter Scheildel, historiador da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e um dos principais estudiosos de demografia da Roma Antiga. “O tempo de vida dos humanos – oposto à expectativa de vida, que é uma construção estatística – não mudou muito, até onde eu sei.”
A expectativa de vida é uma média. Em uma casa com dois filhos, onde um morre antes do primeiro aniversário, mas o outro vive até os 70 anos, a expectativa de vida é de 35 anos.
Isso é matematicamente correto – e certamente nos diz algo sobre as circunstâncias em que essas crianças foram criadas. Mas não nos revela o cenário completo.
Além disso, outro problema acontece quando analisamos eras, ou regiões, nas quais há altos níveis de mortalidade infantil. A maior parte da história da humanidade tem sido marcada por taxas de sobrevivência baixas entre crianças, e essa realidade permanece em vários países até hoje.
Quando fazemos a média, no entanto, costumamos dizer que gregos antigos e romanos viviam, por exemplo, 30 ou 35 anos.
Mas essa era a idade máxima alcançada por quem tivesse sobrevivido às intempéries da infância? E mais: quem tinha 35 anos naquela época poderia ser considerado “velho”?
Se os 30 anos significavam uma velhice decrépita, escritores e políticos antigos não parecem concordar.
No início do século 7º a.C., o poeta grego Hesíodo escreveu que um homem deveria se casar “quando não tiver muito menos do que 30, e não muito mais”.
Enquanto isso, o “cursus honorum” da Roma antiga – a sequência de cargos na magistratura que um jovem que aspirava ser político deveria ocupar – nem sequer permitia que ele desempenhasse sua primeira função, a de quaestor, antes dos 30 anos (sob o imperador Augusto, a idade mínima caiu para 25; o próprio líder romano morreu aos 75 anos).
Para ser cônsul, era preciso ter, pelo menos, 43 – oito anos a mais do que o limite mínimo de 35 anos para ocupar a Presidência brasileira.
No século 1º, o naturista romano Plínio dedicou um capítulo inteiro da História Natural às pessoas que viviam mais tempo. Entre eles, lista o cônsul Valerius Corvinos (100 anos), a esposa de Cícero Terentia (103), uma mulher chamada Clodia (115 – e que teve 15 filhos ao longo da vida), e a atriz Lucceia, que se apresentou no palco com 100 anos.
Há também inscrições em lápides e sepulturas, como a de uma mulher que morreu em Alexandria no século 3º a.C. “Ela tinha 80 anos, mas era capaz de tecer uma trama delicada”, diz o epigrama.
Isso não quer dizer que envelhecer fosse mais fácil naquela época do que hoje.
“A natureza, na verdade, não concedeu maior bênção ao homem do que a falta de vida”, observa Plínio. “Os sentidos tornam-se opacos, os membros, entorpecidos, a visão, a audição, as pernas, os dentes e os órgãos da digestão, todos morrem à nossa frente.”
Ele só conseguia se lembrar de uma pessoa, um músico que viveu até 105 anos, como alguém que considerou ter uma velhice saudável. (Plínio chegou a quase metade disso; acredita-se que ele tenha morrido devido aos gases vulcânicos durante a erupção do Monte Vesúvio, aos 56 anos).
No mundo antigo, pelo menos, parece que as pessoas puderam viver tanto quanto nós hoje. Mas o quão comum era isso?
Em 1994, um estudo analisou todos os homens que viveram na Grécia ou Roma antigas cujos nomes estão registrados no Oxford Classical Dictionary. Suas idades de morte foram comparadas às dos homens listados no mais recente Chambers Biographical Dictionary.
Dos 397, 99 morreram violentamente por assassinato, suicídio ou em batalha. Dos 298 restantes, os nascidos antes de 100 a.C. viveram, em média, até 72 anos. Aqueles nascidos após 100 a.C. viveram, em média, até 66 anos. (Os autores especulam que a prevalência de encanamentos de chumbo pode ter levado a esse suposto encurtamento da vida).
E a média dos que morreram entre 1850 e 1949? Setenta e um anos de idade – apenas um ano a menos do que os que viveram antes de 100 a.C.
Claro, houve alguns problemas óbvios com essa amostragem. Um, por se tratar apenas de homens. Outro, porque todos eles eram suficientemente ilustres para serem lembrados na posteridade.
A conclusão que realmente podemos tirar disso é de que esses homens privilegiados e talentosos tiveram expectativas de vida semelhantes ao longo da história – desde que não tenham sido mortos primeiro.
Segundo Scheidel, “isso sugere que deve ter havido pessoas não famosas, que eram muito mais numerosas, que viviam ainda mais”.
Mas nem todos os especialistas concordam. “Havia uma diferença enorme entre o estilo de vida de um pobre e o de um romano de elite”, diz Valentina Gazzaniga, historiadora da Universidade La Sapienza, em Roma. “As condições de vida, o acesso a tratamentos médicos, até mesmo a higiene – tudo isso era certamente melhor entre as elites.”
Em 2016, Gazzaniga publicou um levantamento em que analisou mais de 2 mil esqueletos romanos antigos, todos da classe trabalhadora, que foram enterrados em valas comuns. A idade média de morte era de 30 anos, e isso não era um mero equívoco estatístico: um grande número de esqueletos tinha por volta dessa idade. Muitos tinham sinais dos efeitos do trauma do trabalho forçado, bem como doenças que associamos com idades posteriores, como a artrite.
Os homens podem ter sofrido numerosas lesões por trabalho manual ou serviço militar.
Mas as mulheres – que também realizaram trabalhos forçados nos campos – não tiveram destino muito diferente. Ao longo da história, o parto, muitas vezes em más condições higiênicas, é apenas uma das razões pelas quais as mulheres corriam maior risco durante os anos férteis. Até a própria gravidez era um perigo.
“Sabemos, por exemplo, que estar grávida afeta negativamente o seu sistema imunológico, porque você basicamente tem outra pessoa crescendo dentro de você”, diz Jane Humphries, historiadora da Universidade de Oxford, no Reino Unido. “Então, você tende a ficar suscetível a outras doenças. Neste sentido, por exemplo, a tuberculose interage com a gravidez de uma forma muito ameaçadora. E essa era uma doença com maior índice de mortalidade entre as mulheres do que entre os homens”.
O parto era agravado por outros fatores também. “As mulheres muitas vezes comiam menos do que os homens “, diz Gazzaniga. Essa subnutrição significa que as meninas jovens frequentemente apresentavam um desenvolvimento incompleto dos ossos pélvicos, o que dificultava o trabalho de parto.
“A expectativa de vida das mulheres romanas aumentou, na verdade, com o declínio da fertilidade”, afirma a pesquisadora. “Quanto mais fértil a população é, menor a expectativa de vida das mulheres.”
A maior dificuldade em saber ao certo quanto tempo nosso antepassado viveu em média, seja antigo ou pré-histórico, está relacionada à falta de dados. Ao tentar determinar as idades médias de morte dos antigos romanos, por exemplo, os antropólogos geralmente se baseiam nos formulários do censo do Egito romano. Mas como esses papiros eram usados para coletar impostos, muitas vezes subnotificavam o número de homens – assim como deixavam de fora muitos bebês e mulheres.
Inscrições em lápides, deixadas aos milhares pelos romanos, são outra fonte óbvia. Mas crianças raramente eram colocadas em túmulos, pessoas pobres não podiam pagar para serem enterradas e famílias que morriam simultaneamente, como durante uma epidemia, por exemplo, não tinham jazigos.
E mesmo que esse não fosse o caso, há outro problema em confiar nessas inscrições.
“É preciso uma certa quantidade de documentação para ser possível dizer que se alguém viveu até 105 ou 110 anos, e isso só começou bem recentemente”, diz Scheidel, de Stanford. “Se alguém realmente viveu até os 111, esse caso pode não ter sido conhecido.”
Como resultado, muito do que achamos que sabemos sobre as estatísticas de expectativa de vida na Roma antiga vem a partir de comparações com outras sociedades. Esses dados indicam que até um terço das crianças morreu antes de um ano de idade e metade delas não passou dos dez anos. Depois dessa idade, as chances melhoravam significativamente. Se você chegasse a 60, provavelmente viveria até os 70.
No geral, a expectativa de vida na Roma antiga provavelmente não era muito diferente da de hoje. Pode ter sido um pouco menor “porque não havia os medicamentos que temos hoje, que acaba por adiar nossa morte, mas não dramaticamente diferente”, argumenta Scheidel. “Você pode ter uma expectativa de vida média extremamente baixa, por exemplo, por causa de mortalidade infantil e materna, e ter pessoas vivendo até 80, 90 anos. Estas são apenas menos numerosas, por causa da combinação desses fatores.”
É claro que isso não deve ser desprezado. Principalmente se você fosse um bebê, uma mulher em idade fértil ou um trabalhador, seria muito melhor escolher viver em 2018 do que em 18. Mas isso não significa que nosso tempo de vida está ficando significativamente mais longo como espécie.
Os dados melhoram mais tarde na história da humanidade, à medida em que governos começam a manter registros cuidadosos de nascimentos, casamentos e mortes – a princípio, principalmente de nobres.
Esses registros mostram que a mortalidade infantil permaneceu alta. Mas se um homem chegasse aos 21 anos de idade, e não morresse por acidente, violência ou envenenamento, poderia viver quase tanto quanto os homens de hoje: de 1200 a 1745, os de 21 anos viveriam, em média, entre 62 e 70 anos – exceto no século 14, quando a peste bubônica reduziu a expectativa de vida a insignificantes 45 anos.
Ter dinheiro ou poder ajudou? Nem sempre. Uma análise de cerca de 115 mil nobres europeus descobriu que os reis viviam cerca de seis anos a menos do que os outros nobres, como os cavaleiros.
Historiadores descobriram, ao observar os registos de paróquias de condados, que, na Inglaterra do século 17, a esperança de vida era mais longa para plebeus do que para nobres.
“As famílias aristocráticas na Inglaterra possuíam os meios para garantir todos os tipos de benefícios materiais e serviços pessoais, mas a expectativa de vida no nascimento entre a aristocracia parece ter ficado atrás da população como um todo até meados do século 18”, diz o estudo. Isso provavelmente ocorreu porque a realeza preferia passar a maior parte do tempo nas cidades, onde era exposta a mais doenças.
Mas, curiosamente, quando a medicina e a saúde pública passaram por uma revolução, as elites acabaram favorecidas em relação ao resto da população. No final do século 17, os nobres ingleses que chegaram aos 25 anos passaram a viver mais do que os não-nobres – mesmo que permanecessem em cidades.
Durante a era vitoriana, por exemplo, uma menina de cinco anos tinha expectativa de vida média de 73 anos; um menino, de 75.
Esses números não são apenas comparáveis aos nossos, mas podem ser ainda melhores. Homens da classe operária (uma comparação mais precisa) vivem hoje em torno de 72 anos, enquanto mulheres, 76.
“Essa relativa falta de progresso é impressionante, especialmente dadas as muitas desvantagens ambientais durante a era vitoriana e o quadro da assistência médica em uma era em que as drogas modernas, os sistemas de triagem e as técnicas cirúrgicas não estavam disponíveis”, dizem Judith Rowbotham, da Universidade de Plymouth, e Paul Clayton, da Oxford Brookes.
Os especialistas argumentam que, se pensamos que estamos vivendo mais do que nunca hoje, isso ocorre porque nossos registros remontam a cerca de 1900 – o que eles chamam de “ponto de partida enganoso”, já que se trata de um momento em que a nutrição caiu e muitos homens começaram a fumar.
E se decidirmos olhar ainda mais atrás, antes de qualquer registro ser mantido?
Embora seja obviamente difícil coletar esse tipo de dado, os antropólogos tentaram substituí-lo observando alguns povos caçadores-coletores de hoje, como os Achés, do Paraguai, e os Hadzas, da Tanzânia.
Eles descobriram que, embora a probabilidade de sobrevivência de um recém-nascido aos 15 anos variasse entre 55% para um menino hadza até 71% para um menino aché, se alguém sobrevivesse à essa idade, viveriam, em média, até os 51 e 58 anos.
Os arqueólogos Christine Cave e Marc Oxenham, da Universidade Nacional Australiana, fizeram descoberta semelhante. Ao analisar o desgaste dentário nos esqueletos de anglo-saxões enterrados há cerca de 1,5 mil anos, descobriram que a maioria dos 174 analisados pertencia a pessoas com menos de 65 anos – mas também havia 16 pessoas que morreram entre 65 e 74 anos e nove que alcançaram pelo menos 75 anos.
Nossa expectativa de vida pode não ter mudado muito, se é que mudou. Mas isso não diminui os extraordinários avanços que tivemos nas últimas décadas, a partir dos quais centenas de milhares de pessoas passaram a viver mais e de forma mais saudável.
Talvez por isso, quando questionada sobre em qual época do passado gostaria de ter vivido, Humphries, da Universidade de Oxford, não hesita.
“Definitivamente hoje”, diz ela. “Acho que as vidas das mulheres no passado eram muito desagradáveis e difíceis – para não dizer curtas.”