Estudo vai criar registro nacional da síndrome do coração partido
24 de julho de 2020
- Atualizado há 5 meses atrás
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Por Redação 97
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) iniciou estudo inédito para a criação de um registro nacional sobre a síndrome de Takotsubo, também conhecida como síndrome do coração partido. Serão avaliados pacientes que tiveram essa doença antes e durante a pandemia do novo coronavírus.
O presidente do Departamento de Insuficiência Cardíaca e coordenador da Universidade do Coração da SBC, Evandro Tinoco Mesquita, disse à Agência Brasil que a síndrome é decorrente de uma agressão ao músculo do coração, que ocorre de forma direta ou indireta, por meio da inflamação do órgão. É um problema raro, que provoca sintomas semelhantes aos de um infarto, como dor no peito, falta de ar ou cansaço, que podem surgir em períodos de estresse emocional intenso. A síndrome, definida ainda como cardiomiopatia por estresse, tem perfil desconhecido no país e foi descrita pela primeira vez no Japão, em 1990.
“As pessoas podem ter um dano temporário do coração e isso, particularmente, acomete as mulheres no período da menopausa. Acomete mais frequentemente, em quase 90% dos casos, pessoas ao redor de 65 a 70 anos de idade. E, ocasionalmente, pode gerar uma repetição. Ou seja, a pessoa ter mais de uma vez”. De uma forma muito grave, a doença pode levar a um quadro de falência do coração, um edema de pulmão, ou a um quadro de arritmia, e levar à morte súbita.
O cardiologista argumentou que o novo coronavírus promove uma inflamação sistêmica que afeta o coração. Também o estresse provocado pelo vírus pode tornar pacientes internados mais vulneráveis a isso. Na avaliação do coordenador da Universidade do Coração da SBC, a radiografia, que será feita pela entidade, é importante porque revelará forma e fatores estressores variados que podem provocar a síndrome do coração partido nas diferentes regiões do país.
O registro vai apurar também o resultado da qualidade do atendimento, a mortalidade que pode ser diferente, bem como a taxa de recorrência. “A radiografia vai nos ajudar a identificar quais são os diferentes tipos de indivíduos mais acometidos, melhorar o grau de alerta e o cuidado, se for observada alguma discrepância de resultados na qualidade do atendimento inicial”, afirmou.
A partir disso, será possível identificar fatores de possível intervenção, “ou seja, como a gente pode estar protegendo ou desenvolvendo estratégias, com novas pesquisas, para amenizar esse impacto”. Tinoco informou que a síndrome vem sendo descrita há poucas décadas. O registro nacional será o primeiro texto no Brasil e um dos pioneiros na América Latina. Ele servirá para gerar dados que permitirão traçar estratégias comportamentais para ajudar na prevenção da doença.
Estados Unidos
Evandro Tinoco Mesquita citou pesquisa feita por médicos da Cleveland Clinic, em Ohio, nos Estados Unidos, que descobriram um aumento da incidência de Takotsubo durante a pandemia de covid-19. “Eles perceberam um aumento de casos em pessoas sem covid”. Mesquita estimou que no Brasil, em função do estresse emocional, os determinantes psicossocioeconômicos da saúde podem, de alguma maneira, explicar o aumento da doença em pessoas que não tiveram a covid.
De acordo com a SBC, em dois hospitais do sistema de saúde americano, os diagnósticos de cardiomiopatia por estresse aumentaram durante março e abril, e a doença foi diagnosticada em 7,8% dos pacientes que chegaram ao pronto-socorro da instituição com dor no peito e outros possíveis sintomas cardíacos. Isso foi quatro a cinco vezes maior do que as taxas observadas nos períodos pré-pandêmicos, que oscilavam entre 1,5% e 1,8%, segundo o estudo publicado este mês, na revista médica JAMA Network Open.
Foram analisados 1.914 pacientes, por cinco períodos, distintos ao longo dos dois meses, incluindo uma amostra de mais de 250 pacientes hospitalizados durante o pico inicial da pandemia. A média de idade da incidência da síndrome foi de 67 anos, majoritariamente em homens, contrariando os dados estatísticos que dizem que o maior acometimento da doença é em mulheres no período pós-menopausa. Embora a covid-19 possa levar a complicações cardíacas, nenhum dos pacientes diagnosticados com Takotsubo, descritos no artigo americano, apresentou resultado positivo para a infecção.
Participação
Até o momento, 32 centros que atendem a pacientes com problemas cardíacos em todo o Brasil estão cadastrados na plataforma de banco de dados organizado pela SBC, por meio do Departamento de Insuficiência Cardíaca e do Grupo de Estudos de Cardiomiopatias da entidade. A estimativa é ter, ao fim do registro, os dados analisados de mais de 400 pacientes, o que representará um dos maiores arquivos mundiais sobre a síndrome feito por um único país.
Os resultados preliminares desse registro nacional serão apresentados durante o Congresso Brasileiro de Cardiologia, em novembro próximo. A radiografia completa da síndrome tem previsão de conclusão em 2021. Serão levantados dados dos pacientes não só na fase aguda, mas como eles se comportam depois, para ver se há recorrência.
Tinoco destacou a importância de a pesquisa abranger esse período de pandemia. Serão acompanhados pacientes que tiveram a síndrome antes, durante e depois da pandemia, e que foram ou não acometidos de covid-19. “Serão dados interessantes capturados nesse período”, estimou.
Socerj
Atualmente, o único levantamento disponível no Brasil sobre a doença é um estudo feito pela Sociedade de Cardiologia do Estado do Rio de Janeiro (Socerj) com 169 pacientes internados com diagnóstico de Takotsubo, ou que desenvolveram essa condição durante a internação, entre outubro de 2010 e o mesmo mês de 2017, em 12 hospitais fluminenses. Esse levantamento será publicado em agosto nos Arquivos Brasileiros de Cardiologia da SBC. Os resultados mostram que a média dos pacientes acometidos pela síndrome é de 71 anos, em sua maioria mulheres (90,5%), com prevalência de dor torácica (63,3%) e histórico de estresse emocional considerável, registrado em cerca de 40% dos casos.
Outro dado que reforça o objetivo do estudo iniciado pela SBC para conhecer o perfil da síndrome é o fato de haver no Brasil 14 milhões de pessoas com doenças cardiovasculares, que respondem por mais de 30% das mortes no país. Segundo a SBC, são mais de 300 mil óbitos por ano, o que configura um problema de saúde pública, agravado agora pela pandemia do novo coronavírus. Do total de doentes cardiovasculares que chegam aos hospitais com suspeita de infarto, entre 1% e 2% podem ter a síndrome do coração partido, admitiu Mesquita.
Óbitos em casa
O médico alertou ainda que os portadores de doenças cardiovasculares e de outras doenças agudas, que necessitam de acompanhamento médico, não devem interromper seus tratamentos por receio de contaminação pela covid-19. Os atendimentos cardiológicos de urgência caíram em todo o país durante a pandemia, gerando aumento de mortes em casa por causas cardíacas.
Em parceria com a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen-Brasil), a SBC analisou, com o apoio de médicos e pesquisadores das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de Janeiro (UFRJ), os óbitos em domicílios por doenças cardiovasculares.
As informações, disponíveis no Portal da Transparência, mostram aumento de 31,82% no número de óbitos em domicílio, por doenças cardiovasculares, incluindo acidente vascular cerebral (AVC), infarto e doenças cardiovasculares inespecíficas, como a parada cardiorrespiratória e a morte súbita, que pode ser ocasionada pela síndrome do coração partido. Esse aumento ocorreu entre 16 de março, quando foi registrada a primeira morte por covid-19, até o fim de junho passado. Foram registradas 23.342 mortes nos meses de pandemia, enquanto no ano passado, no mesmo período, foram 17.707.
Agência Brasil
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