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Crise estrutural na erva-mate: do colapso de preços à busca por novos mercados no Paraná e Argentina

23 de outubro de 2025 - Atualizado há 4 horas atrás
9 minutos de leitura

Por P97

Crise estrutural na erva-mate: do colapso de preços à busca por novos mercados no Paraná e Argentina

Foto: Arte Portal P97

Por Emerson Bacil

Análise detalhada revela que enquanto o consumo global de erva-mate cresce 5% ao ano, produtores argentinos e paranaenses enfrentam a maior crise de rentabilidade da última década. No Paraná, a situação atinge níveis críticos: produtores recebem entre R$ 0,50 e R$ 0,85 pago no pé, posto na indústria varia de R$ 1,10 a R$ 1,35 valores que representam menos do ideal de R$ 2,00 necessário para sustentabilidade. A defasagem acumulada nos últimos anos torna a atividade economicamente inviável para milhares de famílias.

A Geopolítica do Ouro Verde nas Américas

Enquanto os consumidores brasileiros e de outros países seguem tomando seu chimarrão e tereré, uma tempestade perfeita se abate sobre os produtores de erva-mate na Argentina e no Paraná – regiões que, juntas, respondem por mais de 85% da produção mundial desta que é uma das bebidas mais tradicionais do continente. Dados e declarações de representantes do setor nos dois países pintam um cenário de crise profunda que ameaça a própria sustentabilidade da cadeia produtiva: a indústria exporta e vende mais, mas quem planta está perdendo dinheiro a cada colheita.

A complexidade desta crise se revela nos números: enquanto o consumo mundial de erva-mate cresce a uma taxa média de 5% ao ano, impulsionado pela expansão para mercados como Estados Unidos, Europa e Oriente Médio, os produtores enfrentam uma contradição cruel – quanto mais o produto se populariza, menos eles lucram com sua produção.

O Colapso Paranaense em Números: A Defasagem Insustentável

No Paraná, a situação atingiu um nível de crise sem precedentes. Dados coletados junto a produtores e cooperativas das regiões tradicionais – Cruz Machado, São Mateus do Sul e Canoinhas – revelam uma realidade alarmante: o preço pago pela folha verde pago no pé varia entre R$ 0,50 e R$ 0,85 por quilo, dependendo da região e da qualidade do produto.

Estes valores representam uma queda brutal quando comparados com o patamar considerado economicamente viável. “O bom seria R$ 1,50 e o ideal R$ 2,00 pela folha posta na indústria – valor que já chegou a ser praticado há alguns anos atrás”, mas hoje na indústria paga ente R$ 1,10 a R$ 1,35 explicam produtores da região de Mateus do Sul, considerada a capital paranaense da erva-mate.

A matemática da crise paranaense é devastadora:

  • Valor atual mínimo: R$ 0,50 por quilo pago no pé, valor mínimo pago na indústria R$ 1,10;
    Valor atual máximo: R$ 0,85 por quilo pago no pé e valor máximo pago na indústria R$ 1,35;
    Valor necessário para sustentabilidade: R$ 1,50 por quilo na indústria;
    Valor ideal para rentabilidade: R$ 2,00 por quilo que deveria ser pago na indústria;

Isso significa que o produtor paranaense está recebendo em torno de 50% do valor considerado ideal para manter sua atividade com dignidade e capacidade de reinvestimento. A defasagem acumulada nos últimos anos criou um cenário onde muitos produtores estão trabalhando no limite da sobrevivência, sem condições de investir em renovação dos ervais ou em tecnologias que aumentem a produtividade.

A Crise Argentina em Perspectiva Comparada

Enquanto isso, na Argentina, a situação também é crítica, mas com nuances diferentes. De acordo com Petterson Julio Alfredo, presidente da Associação Civil de Produtores Yerbateros do Norte Argentino, “hoje se paga no máximo 260 pesos argentinos por quilo para o produtor. No entanto, o custo de produção atualizado, calculado pelo Instituto Nacional de la Yerba Mate (INYM), é de 411,46 pesos”.

Convertendo para o real brasileiro (cotação aproximada de junho/2024: 1 BRL = 250 ARS), o produtor argentino recebe cerca de R$ 1,04 por quilo, mas seu custo para produzi-lo é de aproximadamente R$ 1,65. Isso significa que o produtor argentino trabalha para perder 37% do valor investido a cada ciclo, como se percebe no Brasil se paga ainda menos que no País Visinho.

A realidade do dois Países está na estrutura de custos e na relação com a indústria. Enquanto no Paraná o problema central é a defasagem histórica nos preços em relação a patamares já alcançados anteriormente, na Argentina a questão envolve também a morosidade nos pagamentos – que podem levar de 90 a 120 dias – e a crise inflacionária que corrói o poder de compra dos pesos recebidos.

O Impacto Prático da Defasagem nos Ervais Paranaenses

Nas propriedades rurais do sul do Paraná, a defasagem nos preços tem consequências concretas e imediatas. Produtores relatam que estão adiando investimentos essenciais como:

  • Renovação de ervais envelhecidos;
  • Aquisição de equipamentos para colheita mecanizada;
  • Implantação de sistemas de irrigação para enfrentar veranicos;
  • Contratação de mão-de-obra especializada

“Com R$ 0,50 por quilo, pago no pé, mal conseguimos pagar os custos imediatos da colheita. Não sobra nada para investir no futuro dos nossos ervais”, desabafa um produtor de Cruz Machado, cidade conhecida pela produção de erva-mate sombreada.

O efeito cascata atinge toda a economia regional. Com menos recursos circulando, comércios locais sofrem com a redução no consumo, e muitos jovens estão abandonando a atividade familiar em busca de oportunidades nas cidades próximas.

Da Grandeza Histórica à Crise Atual: O Contraste que Preocupa

Para entender a magnitude desta crise, precisamos voltar à história gloriosa do setor. O Paraná já foi sinônimo de erva-mate nos mercados internacionais. Nos tempos áureos dos barcos a vapor que subiam o Rio Iguaçu, a erva-mate chegou a representar impressionantes 85% do PIB do estado entre 1890 e 1930, sustentando economias, formando impérios e financiando o desenvolvimento paranaense.

Hoje, o Paraná é o maior produtor de erva-mate do Brasil, responsável por cerca de 87% da produção nacional, o que representa uma produção significativamente maior do que a de outros estados como Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 2022, produziu aproximadamente 763 mil toneladas, enquanto a produção de todos os outros estados foi menor. A erva-mate tem um papel econômico e social fundamental no Paraná, sao 30 mil famílias envolvidas na cultura dado do ano de 2023. O setor enfrenta sua maior crise de rentabilidade da história recente. “É fundamental abrir novos mercados para escoar a produção”, defendem representantes paranaenses. A urgência é grande: com preços tão baixos, muitos produtores estão abandonando os ervais ou deixando de investir em cuidados essenciais, repetindo o cenário argentino onde a produção já caiu mais de 20%.

A Revolução Científica do Mate: Além do Chimarrão

A saída para a crise pode estar em frentes inovadoras que estão sendo pesquisadas em laboratórios e universidades. Estudos recentes destacam o enorme potencial da erva-mate para o resgate de carbono, com a cadeia produtiva desenvolvendo estratégias para o “mate com baixo carbono” (Fonte: HistóriadaErvaMate.com.br). A erva-mate se revela uma excelente sequestradora de CO2, com capacidade de absorver até 50% mais carbono que outras culturas tradicionais.

As oportunidades, no entanto, vão muito além da sustentabilidade ambiental:

· Revolução Farmacêutica: Pesquisas da UFPR e outras instituições identificaram mais de 200 enzimas na erva-mate com potencial medicinal, das quais menos de 40 são comercialmente aproveitadas. Estudos apontam propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e até anticâncer nos compostos da planta.
· Indústria de Cosméticos: Grandes empresas como Natura e O Boticário estão desenvolvendo linhas completas baseadas em ativos da erva-mate, aproveitando suas propriedades antioxidantes e revitalizantes para cremes, shampoos e protetores solares.
· Bebidas Especiais: A Ambev está em fase avançada de pesquisas para desenvolvimento de cerveja e chopp de erva-mate, visando o mercado de bebidas especiais que movimenta R$ 5 bilhões anualmente no Brasil.
· Aplicações Energéticas e Alimentícias: A biomassa da erva-mate mostra potencial para produção de biocombustíveis, enquanto suas fibras são estudadas para enriquecimento nutricional de alimentos.

O Movimento de Certificação e Valor Agregado

A certificação emerge como ferramenta crucial para agregar valor e qualificar o produto final para o consumidor exigente. Sistemas de rastreabilidade, selos de produção orgânica e certificados de comércio justo estão ganhando espaço, permitindo que o produtor receba prêmios de 30% a 50% sobre o preço de mercado convencional.

No Paraná, iniciativas como o Programa Erva-Mate Paraná Sustentável já certificaram mais de 1.200 produtores, criando um diferencial competitivo importante no mercado internacional. “O consumidor europeu e norte-americano está disposto a pagar até 100% a mais por produtos certificados e com comprovação de origem sustentável”, explica um gestor do programa.

Conclusão: O Caminho para a Revalorização do Ouro Verde

A crise que afeta produtores no Paraná e na Argentina tem a mesma raiz: a profunda desconexão entre o preço final ao consumidor e a remuneração de quem produz a matéria-prima. Enquanto a indústria e o varejo lucram, o produtor sobrevive com valores que não cobrem sequer seus custos básicos de produção.

O resgate do setor no Paraná exigirá uma ação coordenada em múltiplas frentes: desde a busca por novos mercados e aplicações até a reorganização da cadeia produtiva para garantir que o produtor receba pelo menos R$ 2,00 pela folha posta na indústria – patamar mínimo para evitar o colapso definitivo da atividade e garantir a correção e custo de produção que subiu.

O momento exige união de produtores, iniciativa privada, academia e poder público para transformar o potencial em realidade concreta de desenvolvimento sustentável. Com planejamento estratégico e inovação, o Paraná pode não apenas superar a crise atual, mas reposicionar a erva-mate como um produto de alto valor no mercado global – honrando sua história e construindo um futuro próspero para as próximas gerações de produtores.

Fontes consultadas: Economis.com.ar, INYM, Noticias Argentinas, Rádio Domate, HistóriadaErvaMate.com.br, UFPR, Embrapa, Programa Erva-Mate Paraná Sustentável. Informações repassadas por Petterson Julio Alfredo, presidente da Associação Civil de Produtores Yerbateros do Norte Argentino, e representantes do setor no Paraná.

Emerson Bacil é advogado, ex-deputado e comunicador, com ampla experiência em análise de temas econômicos e do agronegócio paranaense.

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